sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Concerto "à la carte"

Para o seu centésimo espectáculo a CTB decidiu voltar a um texto do realismo alemão. Agora sem pretensão de mudar o Mundo através do teatro, mas afirmando, no contexto da criação artística, a posição da Companhia de não abdicar de ver e dar testemunho da Vida que nos rodeia.
Este Concerto “à la Carte” é um olhar frio, concreto, real até aos ossos, da vida vivida por cada vez mais mulheres em cada cidade. É a comédia social ao contrário. Se até aos anos setenta a tese era que o casamento seria uma invenção da burguesia e da classe dirigente para manter a fortuna e o património no seio da família e confiado aos herdeiros. Hoje, essa falsa moral ruiu e sobre a pressão do neo-liberalismo, a mulher é cada vez mais colocada entre o mercado da precariedade generalizada, com retorno à ideologia do casamento numa perspectiva de sobrevivência económica. Uma moral modernizada. Mas a realidade é cada dia mais cruel, depois dos preconceitos da dominação masculina, temos dois mercados cada vez mais competitivos: o do trabalho e o do casamento. E a mulher cada dia mais só. Por opção, dolorosa, por abandono, por razões a cada passo mais fortes e dramáticas. Há cada vez mais a Rua como espaço de espectáculo da dignidade que se quer manter e a casa, o dentro de casa, o interior, como espaço prisão que garante a Liberdade para que nos possamos despir dessa farda social. E aí, nesse “teatro” a solidão, a crueldade da vida, torna-nos fantoches de nós mesmos. Mesquinhos e miseráveis. Inúteis e indiferenciados. Somos afinal aquilo que o neo-liberalismo quis fazer de nós: números, cabeças enredadas numa única luta: a sobrevivência a qualquer custo. Concerto “à la Carte” é a vidinha duma senhora, igual a tantas que moram no apartamento ao lado, que se cruzam connosco no supermercado, a quem olhamos sem ver e que morrem sem sabermos e sem elas mesmas darem por isso.
Não contam, fazem parte da estatística para a Europa, mas são apenas números.
É de facto uma comédia social ao contrário. É um espectáculo de risco. É um espectáculo de compromisso, de postura artística e ética sobre o nosso tempo. É uma performance de actriz. De uma grande actriz que, mais uma vez escolheu o caminho mais difícil. Afinal o caminho da Companhia de Teatro de Braga.
Mas é também uma Homenagem a todas as Mulheres que não são acontecimento.

Rui Madeira

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